Você se lembra da Hotline Records?
Se não se lembra mas tinha o hábito de comprar discos nos anos de 1990, talvez você tenha algo guardado por aí e se não tem com certeza já curtiu muito algumas das produções deste selo.
A história da Hotline Records é repleta de sucessos e frustrações mas com um desfecho surpreendente e ao mesmo tempo inspirador. Quem deu início foi o DJ e Produtor Sérgio Augusto da Silva (Sérgio Hot Line) e sua história é bem parecida como a da maioria dos DJ’s de Black Music.
Na metade dos anos de 1980 ainda garoto, ele se apaixonou pela Música Negra inspirado por bandas como Zapp, Isley Brothers, The Gap Band e tantas outras que explodiam de sucesso na época.
Com toda aquela febre de equipes de bailes surgindo em praticamente todas as periferias de São Paulo, ele conseguiu fazer parte da famosa Ademir Formula 1 (Z.L.), posteriormente criou sua própria equipe (Samba Soul) e mais tarde passou a fazer parte da equipe Black White assumindo então o lugar do DJ Grandmaster Ney.
Equipes de Som, Músicas, Discos… Hot Line!
A paixão pela música o inspirou a criar o seu primeiro negócio em sociedade com o Aritana no ano de 1990, juntos eles comandaram a Trucks Discos, parceria que durou apenas alguns meses.
Com o rompimento da sociedade Sérgio resolveu fundar uma nova loja, e em 1992 nascia a Hot Line na Galeria Presidente, localizada na Rua 24 de Maio, Centro de São Paulo, uma loja de discos especializada no segmento “Black”.
Nesta época, Donizete Sampaio (R.I.P.) – Dinamite, já produzia e comercializava remixes em parceria com o consagrado DJ e produtor DJ Cuca e esta foi a grande inspiração para a o lançamento do selo “Hot Line”, até que em 1993 ela firma uma parceira também com DJ Cuca e juntos lançam o Hot Beats Vol. 1 , um álbum lançado sem muita pretensão mas que foi um grande sucesso de vendas, o que surpreendeu a todos os envolvidos nesta produção.
“Now Here It” – Faixa de abertura do álbum Hot Beats Vol.1 (1993).
Pouco tempo depois veio o Hot Beats Volume 2 – (1993), desta vez a produção ficou por conta do DJ Mad Zoo. Este álbum também tocou muito nas festas “blacks” e teve um bom volume de vendas embora não tenha superado o primeiro.
O estilo segue a mesma linha de seu antecessor com beats, colagens e scratchs sobre samples de músicas famosas da época ou até mesmo do passado como Too Short, Derek B. e bandas de funk como Kc and Sunshine Band, Brass Construction, Freedom e várias outras, tudo misturado.
Hoje pode parecer estranho para os ouvidos mas naquela época o público jovem gostava… e muito!
“Bullet Beats” esteve entre as faixas mais executadas deste álbum.
E finalizando a tríade, em 1994 é lançado o Hot Beats vol. 3 , também produzido pelo DJ Mad Zoo.
Além das remixes de Mad Zoo, há neste álbum duas faixas internacionais em gravações originais, são elas: Sammy D/Falling Love e Giorge Pettus/Don’t Put Me Off ‘Till Tomorrow (versão extendida). Esta edição estava partindo para o romantismo mas infelizmente a coleção Hot Beats chegou ao seu fim.
Very Special – o grande destaque deste álbum.
Novos Talentos do Rap Nacional
A história da Hot Line não parou por aí, em paralelo ao lançamento do volume 2 da coleção “Hot Beats”, o RAP Nacional também estava bastante forte o que foi uma boa oportunidade para lançar um LP só com novos talentos e para isto, nada melhor que se aliar a alguém que estava em evidência e abraçando a causa: Armando Martins.
Armando Martins (Circuit Power), mantinha um programa na rádio Metropolitana FM onde o assunto era RAP Nacional, o programa “Projeto Rap Brasil” e foi daí que saíu o próximo produto da Hot Line, o álbum “Projeto Rap Brasil Novos Talentos”, o ano era 1993.
O objetivo do álbum felizmente foi alcançado, neste trabalho foi revelado um grande nome do RAP Nacional mas antes de revelarmos quem foi, ouça um trecho:
Ouviu ele dizendo o nome? Sim, é o Dexter! Nesta época ele tinha um grupo chamado Snake Boys e participou deste álbum com a faixa “Animais Irracionais”.
Hot Beats Especial
Em 1997 a Hot Line resolveu fazer mais um lançamento: Hot Beats Especial.
A produção ficou por conta do próprio Sérgio e DJ Mad Zoo, um álbum muito bom seguindo a linha de seus antecessores e tecnicamente muito superior. Não por acaso é um dos álbuns mais caros dentre os 4 (Você ainda pode conseguir uma cópia pelo Mercado Livre).
Ainda em 1997, foi lançado também o álbum “As Melhores da Hot Line” que, como o próprio diz, trata-se de uma compilaçaõ das melhores faixas de todos os álbuns anteriores, ao todo são 16 faixas.
Durante os anos de 1990 e início dos anos 2000, a Hot Line contribuiu para a revelação de vários talentos, dentre eles: KRS com a faixa “Festa”, um grande sucesso dos bailes. Aqui vale citar: Em 1997 DJ Silvinho da Kaskatas até então não havia feito nada parecido mas a convite da Hot Line, ele resolveu fazer uma parada diferente, então convidou os amigos Katatau e Rick Dub para gravar um RAP.
Esta faixa saiu na coletânea DJ’s Attack onde vários DJ’s foram convidados, dentre eles o próprio Silvinho, DJ Hum, Mad Zoo, Cuca, Milk e vários outros.
A música fez tanto sucesso nesta coletânea que após isso grupo chegou a gravar um álbum solo com a participação de Lino Krizz, Thaíde, Xis dentre outros.
Foram muitos shows por todo o país!
Sacodindo a Jaca
Outra grande revelação da Hot Line foi o grupo Família Abadá com faixa “Sacodindo a Jaca“.
O diferencial deste grupo era a pegada Dance Hall já extinta mas que ainda fazia sucesso por aqui fundida ao Rap na voz de Shaggy, Shabba Ranks, Mad Lion e Born Jamericans.
A Família Abadá tinha esta essência de algo mais “up”, alegre, dançante e sem nenhum compromisso com qualquer tipo de ideologia. Era música pra dançar e pronto.
O CD lançado pela Hot Line e que revelou estes garotos foi “Sacodindo a Jaca”, que também trazia novamente KRS (Rebola Aí), DJ Cuca (Estilo Ragga), Mad Zoo (Ragga Beat) e varias outras faixas dançantes.
Os mais conservadores é claro que torceram o nariz para o CD e o hit “Sacodindo a Jaca” mas o sucesso foi tão grande que, além de ter saído pela primeira vez em uma compilação da Hot Line, a Família Abadá ganhou um álbum solo por meio de outra gravadora e em 2002 a faixa foi relançada em uma compilação produzida por Theo Werneck (Rap O+) – nome perfeito para este álbum. Será que “Sacodindo a Jaca” era ruim mesmo ou tínhamos aí algum problema de anacronia? Talvez a segunda hipótese se encaixe melhor neste caso.
O Fim
A Hot Line surgiu em um fase maravilhosa da black music no Brasil. Nesta época, grandes nomes do R&B estavam surgindo dos EUA, por aqui os grupos de pagode dominavam os programas dominicais e outras produções independentes também estavam colhendo bons frutos como Dinamite e Black Total mas a década estava terminando e uma nova geração entraria em cena, a Geração “Y”. Esta turma já na adolescência passou a ter acesso aos computadores, internet e uma série e inovações tecnológicas.
Foi no final dos anos de 1990 que surgiu também o primeiro MP3 com Suzanne Vega e daí em diante a pirataria dominou o mercado causado muitos prejuízos para a indústria fonográfica.
Muitas lojas de discos e CD’s fecharam as portas e os queridos bolachões passaram a ser produto para nichos: DJ’s, produtores e colecionadores.
O público já não era mais o mesmo, outros ritmos ocuparam o espaço nas perifeiras de São Paulo e o que era um negócio promissor passou a ser um negócio de alto risco.
A Hot Line produziu o seu último CD em 2001, o DJ’s Attack Volume 2. A situação não estava mais a favor das lojas de discos e muito menos das gravadoras até que em 2007 a loja e o selo Hot Line tiveram suas operações encerradas.
O Protagonista
Esta história que contamos de forma bem resumida foi narrada pelo próprio fundador da Hot Line, Sérgio Augusto da Silva. Ele nos concedeu um longa entrevista e ainda citou fatos de sua vida que muitos desconhecem.
Após o fechamento das lojas (foram 3 ao todo) e também o selo Hot Line em 2007, ele seguiu com a sua vida normalmente até que em 2010, uma terrível doença tirou sua paz e também de seus familiares. Ele descobriu que estava com um tumor no cérebro e após muita luta, sofreu uma cirurgia que resultou na perda 97% de sua visão. Mesmo assim ele não desistiu, mesmo com a deficiênica adquirida ele voltou a estudar e se formou Radialista pelo Senac.
Hoje aos 48 anos, ele ainda luta para conquistar o seu maior sonho: trabalhar em rádio FM.
Ele comanda três programas na web: “Hot Beats” todos os domingos das 18h as 20h pela rádio THE BEAT FM e também os programas “Hot Beats In Love” e “Hot Beats Balançando seu Rádio” pela rádio NewblackSP de segunda a sexta-feira.
Se você quiser saber mais a respeito, veja a entrevista concedida ao programa “Batendo o Prato” no Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=VLX4TEeso_4, são 2 horas de muito “bate-prato”, vale a pena ver.
Facebook: https://www.facebook.com/sergio.dasilva.12935
The Beat FM: http://www.thebeatbrasil.com.br/
New Black SP: http://newblacksp.com/
Imagens e amostras de áudio: http://circuitpowerflashrap.blogspot.com.br/ e http://27miguel.blogspot.com.br/